A prorrogação do prazo para a votação da Medida Provisória (MP) nº 694, que aumenta os juros sobre capital próprio, tem gerado questionamentos no mercado sobre a data de vigência das novas alíquotas – caso sejam aprovadas pelo Congresso. Há dúvidas se os novos percentuais teriam validade este ano, como preveem a MP e o texto liberado para aprovação pela comissão mista em 2015.
Os principais pontos de tensão estão nas mudanças feitas no texto original da MP (veja abaixo). A matéria liberada pelo relator do projeto na comissão mista, senador Romero Jucá (PMDB-RR), trata de nove tópicos e não apenas dos juros sobre capital próprio.
Nesse pacote estão incluídos o aumento do PIS e da Cofins na importação de insumos da indústria química e a revogação do benefício fiscal às pesquisas tecnológicas. Segundo advogados, há leis diferentes para cada um desses itens.
Os setores que já seriam impactados este ano são da indústria química e das empresas de tecnologia. Ambos, por terem majoração de contribuições, estariam fora da hipótese do artigo 62 da Constituição Federal.
O dispositivo determina que medida provisória que instituir ou aumentar impostos só produz efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
Se de um lado há unanimidade entre os especialistas de que o aumento dos juros sobre o capital próprio só teria vigência em 2017, por outro existe a aposta de que o Fisco entenderá pela vigência neste ano dos outros dois itens.
O trecho da MP que trata de PIS e Cofins na importação de insumos da indústria química foi modificado na comissão mista do Congresso. Isso significa que estão em vigor hoje as alterações propostas somente na MP – mais brandas que o projeto de conversão em lei. A proposta prevê, em cinco anos, triplicar as alíquotas. Enquanto a MP estipula o aumento único de 0,54% para 1,11% no PIS e de 2,46% para 5,02% para a Cofins.
Nesse caso, para as alterações feitas pelo Congresso, o Fisco pode entender que deva ser respeitada a anterioridade nonagesimal. Ou seja, a cobrança entraria em vigor 90 dias após a publicação da norma.
Já o trecho que trata da revogação dos incentivos às pesquisas tecnológicas – também modificado pelo projeto de conversão em lei -, por se tratar de dedução de benefício fiscal, poderia ter vigência imediata após a publicação. O projeto liberado à aprovação da comissão mista do Congresso retira, em três anos, o benefício fiscal.
Os advogados Luca Salvoni e Túlio Anderson Soares de Lira, do Cascione, Pulino, Boulos & Santos, entendem que a vigência da suspensão desses benefícios fiscais poderia ser questionada na Justiça. Isso porque o projeto propõe mexer na redução dos gastos com as pesquisas da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social (CSLL). “Entendemos que a suspensão de uma dedutibilidade nada mais é que um aumento da carga fiscal e, por isso, estaria sujeita à anterioridade constitucional. Pelo menos para fins do Imposto de Renda”, diz Salvoni.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre o tema. Em 2014, ao julgar recurso extraordinário, a 1ª Turma decidiu, por maioria, que a revogação de benefícios fiscal deveria respeitar o princípio da anterioridade. O caso, que teve como relator o ministro Marco Aurélio, tratava de decretos estaduais que reduziram benefícios de diminuição da base de cálculo do ICMS.
O advogado Felipe Renault, do Renault Advogados Associados, chama a atenção para o fato de o STF ter tratado somente da revogação de benefícios de impostos. “E a MP trata de contribuições”, afirma. Por isso, para ele, a decisão não poderia ser aplicada ao caso atual.
Já a advogada Mary Elbe, do Queiroz Advogados Associados, entende que há espaço para discussões. Para ela, nenhuma das alterações do projeto teria validade antes de 2017. Segundo a tributarista, há pelo menos quatro dispositivos legais que impedem a cobrança. Ela cita o já comentado artigo 62 e também o 150 da Constituição, que veda o aumento de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que o instituiu (princípio da anterioridade).
A advogada dá destaque também para o que estabelece o Código Tributário Nacional (CTN), nos artigos 104 e 178. Os dispositivos determinam que se isenções fiscais foram concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições, não poderiam ser revogadas ou modificadas por lei a qualquer tempo. Nesses casos, a vigência só seria permitida no exercício seguinte ao da publicação da lei.
A MP 694 foi encaminhada ao Congresso em 30 de setembro. O projeto de conversão em lei foi liberado para a aprovação da comissão mista no fim do ano. O prazo final para a apreciação em plenário é 8 de março. Para entrar em vigor deve ser aprovado pelas duas Casas, Câmara e Senado, e sancionado pela presidência da República.
Fonte: Valor Econômico