Antes da pandemia, a indústria automotiva se preparava para dar alguns saltos em tecnologia no Brasil. Um dos mais adiantados é o sistema de controle eletrônico de estabilidade, que ajuda o motorista a não perder o domínio do veículo em curvas fechadas ou pisos escorregadios. O chamado ESC, na sigla em inglês, passou a ser obrigatório em novos modelos desde janeiro e deverá estar em todos os carros produzidos a partir de 2022. Embora inovação não esteja na pauta do dia no país que agoniza com o crescente número de mortes pela covid-19, fabricantes de componentes que se prepararam para atender aos avanços tecnológicos se perguntam como será o futuro da inovação veicular, já que praticamente todas as montadoras decidiram adiar investimentos em novos modelos.
Esse é o caso da Continental, uma das maiores fabricantes de autopeças do mundo e cuja especialidade é o desenvolvimento de itens de segurança e de conectividade. Há exatamente um ano, a companhia inaugurou em Várzea Paulista, no interior de São Paulo, uma linha de produção do ESC para atender ao que parecia ser um mercado com potencial de rápida expansão. Além disso, a empresa, também conhecida pela produção de pneus, imediatamente inscreveu- se no Rota 2030, um programa lançado pelo governo de Michel Temer, que oferece incentivos fiscais em troca de investimento em pesquisa e desenvolvimento.
“A decisão das montadoras de adiar lançamentos trará impacto nos recursos de engenharia voltados a projetos nos quais já havíamos começado a trabalhar”, afirma o presidente da Continental na América do Sul, Frédéric Sebbagh.
O executivo acredita que o Rota 2030 terá de ser revisto. O programa foi concebido para, ao longo de dez anos, oferecer avanços, principalmente, nas áreas de segurança veicular e de emissão de poluentes. A primeira etapa das inovações está marcada para ocorrer até o fim de 2023. O cronograma pode, no entanto, ficar comprometido pela crise provocada pelo novo coronavírus. “Se não houver uma nova negociação as empresas terão que se desabilitar; caso contrário, terão de pagar multas, fixadas no Rota 2030, por não cumprir investimentos em pesquisa e desenvolvimento”, destaca o executivo.
Para Sebbagh, que nasceu na França, a pandemia provocará um adiamento global em termos de avanços tecnológicos em segurança e eficiência energética. Mas, diz, os países com indústria automobilística não sairão da crise na mesma velocidade. “Na China, a atividade voltou num ritmo equivalente a 80% a 90% do que era 75 dias depois da pandemia”, destaca.
Já no Brasil, diz, o setor será fortemente afetado pela desvalorização do real e pela interrupção da agenda de reformas. “Isso tornará o país menos competitivo”, afirma. Além disso, Sebbagh demonstra pessimismo em relação ao controle da pandemia no país. “Se o Brasil tivesse tido uma visão única e coletiva [nas orientações para conter a propagação do vírus] não estaríamos na situação de hoje”, afirma.
A Continental nasceu há um século e meio na Alemanha, um dos países mais bem-sucedidos no combate à covid-19. Sebbagh lembra que a oferta de leitos hospitalares na Alemanha é bem superior às médias da Europa.
Segundo ele, a matriz da companhia começou a acompanhar de perto a disseminação da doença antes de a Organização Mundial de Saúde decretar a pandemia. E logo que a situação se agravou foi criado um comitê de crise global. Na América do Sul, cada uma das 12 fábricas — nove só no Brasil — foi preparada de forma diferente.
Em Macaé (RJ) e Ponta Grossa (PR), onde a empresa produz mangueiras e correias transportadoras gigantes, destinadas aos setores petrolífero e de mineração, a adaptação das fábricas teve que ser feita rapidamente porque a demanda não parou. O mesmo aconteceu no Chile, onde a Continental também atende o setor de mineração.
Já as unidades voltadas ao setor automotivo, que pararam em torno de duas semanas, retornaram à atividade num ritmo bem mais lenta. A América do Sul responde por cerca de 3% do faturamento global da Continental, que em 2019 atingiu € 44,5 bilhões.
Fonte: Instituto aço Brasil -Valor