É preciso revisitar o apoio à P&D

O desenvolvimento de áreas do conhecimento e a implementação de novas tecnologias são importantes determinantes do crescimento de longo prazo. Lamentavelmente, a eficácia da maioria dos programas do governo de estímulo à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) tem sido baixa nas últimas décadas, apesar dos recursos significativos alocados nessa área. Essa avaliação é confirmada pela péssima posição do Brasil nos diversos rankings sobre o tema.
Segundo a Unesco, entre 1995 e 2013, os gastos com P&D no Brasil somaram, na média, cerca de 1% do PIB ao ano, valor muito próximo da média de 1,1% do PIB para uma amostra com 61 países – 34 desenvolvidos (e.g., EUA, Japão, Reino Unido e Suíça) e 27 emergentes (e.g., Argentina, Colômbia, Índia, México e Rússia). A média das despesas com P&D medianas por ano nesse período foi de 1,8% do PIB no primeiro grupo, 0,6% do PIB no segundo grupo e 0,4% do PIB nos países da América Latina da amostra sem Brasil (i.e., Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru). Ao longo desses anos, o Brasil ocupou, na média, a 27ª posição em termos de gastos como percentual do PIB, tendo estado sempre entre os cinco países emergentes com as maiores alocações.
Na América Latina, o Brasil foi o que mais destinou recursos a P&D em todos os anos. Em resumo, o país está longe de gastar pouco em P&D.
É urgente a redefinição do arcabouço do governo de apoio à P&D, dado o insucesso dos programas há décadas
Apesar disso, a posição brasileira nos rankings sobre inovação tecnológica é bem desfavorável. Por exemplo, o Índice de Inovação Global, que mede de forma ampla o nível de inovação dos países (e.g., instituições, capital humano e pesquisa), divulgado pelas Universidade de Cornell, Insead e World Intellectual Property Organization, sugere que, em 2017, o Brasil está na 69ª colocação entre 127 países.
Do mesmo modo, o World Economic Forum aponta que, neste ano, o Brasil ocupa a 35ª colocação no índice de competitividade global, a 36ª no subíndice de inovações e a 33ª no subíndice de sofisticação de negócios, em uma amostra com 36 países, entre desenvolvidos e emergentes. O país figura nas piores posições em quase todos os 22 aspectos que tratam da competitividade de empresas (e.g., 34ª posição no quesito sobre a colaboração de empresas e universidades em P&D).
O atraso do Brasil no setor de P&D está associado, em grande parte, à elevada ineficiência dos gastos nessa área. Por exemplo, apesar de essas despesas como percentual do PIB não serem baixas, o país produz poucas patentes na comparação com outras economias com o mesmo nível de despesas. O aumento da eficiência dessa alocação elevaria a Produtividade Total dos Fatores (PTF), i.e., a eficiência na economia, e, consequentemente, a produtividade do trabalho.
Para uma amostra de 48 países, sendo 15 emergentes, os economistas do Credit Suisse estimaram qual seria a alocação dessas despesas que maximizaria o número de patentes por milhão de habitantes em 2013. Mantendo constante o patamar de 2013 dos gastos com P&D como proporção do PIB, o números de patentes por milhão de habitantes no Brasil aumentaria 38 vezes, caso se considerasse o país com a maior eficiência na aplicação de recursos em P&D entre todas as nações da amostra; ou 12 vezes, caso considerados apenas os emergentes.
Em resumo, a eficiência na aplicação de recursos em P&D no Brasil é baixa. Um aumento dessa eficiência elevaria a PTF relativa à dos Estados Unidos. Mantendo os atuais dispêndios com P&D, o Brasil elevaria sua PTF em 10,5% em 2013, caso fosse considerada a fronteira eficiente para toda a amostra. Essa alta seria de 3,3% no caso da fronteira formada apenas por países emergentes. Uma convergência da eficiência dos gastos com P&D para o nível dos países desenvolvidos em um período de 10 anos aumentaria a produtividade do trabalho em 1% ao ano, assumindo que a alta da PTF amplia a produtividade do trabalho na mesma proporção.
De acordo com dados da Unesco, o setor público é responsável, na média, por 52% do total anual de gastos com P&D no Brasil entre 2000 e 2013, frente a: (i) 41% na mediana em 61 países que possuíam essa informação para praticamente todo o período; (ii) 35% para um grupo de 33 países desenvolvidos; e (iii) 47% para os 13 países emergentes mais relevantes da amostra. Ou seja, instituições do governo no Brasil respondem por uma parte dos gastos com P&D maior do que na maioria das outras economias.
Argumentações de que sem investimento em tecnologia não há desenvolvimento e de que é preciso apoiar a indústria e a universidade na busca de avanços tecnológicos têm sido utilizadas há décadas para justificar a distribuição de subsídios por estatais e fundos públicos. O problema é que essas estruturas de governo de apoio à P&D não foram capazes de alavancar o frágil avanço tecnológico do País.
O modelo atual de incentivo para novas indústrias e áreas de conhecimento não funcionou a contento. Esses programas também não foram bem-sucedidos no fortalecimento da relação entre a comunidade acadêmica e a engenharia nacional. Naturalmente, há histórias de sucesso. Todavia, elas são poucas frente aos elevados custos dos subsídios oferecidos em todos esses anos. Não se justifica destinar por décadas recursos públicos subsidiados para P&D, sem que haja estudos robustos que comprovem que os benefícios desses programas superam em muito os seus custos para a sociedade, ainda mais em um ambiente de enorme desequilíbrio fiscal.
A redefinição do atual arcabouço do governo de apoio a P&D é urgente, dado o insucesso dos programas de diversos governos nessas últimas décadas. Mesmo com menores gastos em P&D, o aumento da eficiência no uso desses recursos permitiria um avanço tecnológico bem maior do que o atual. Nesse sentido, sugiro fortemente que a ampla agenda de ajustes microeconômicos em implantação pelo governo inclua a reestruturação do modelo de incentivos à área de P&D no País.
Fonte: Valor Econômico

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